domingo, 14 de dezembro de 2008

    Canção do Amor-Perfeito


    O tempo seca a beleza,
    seca o amor, seca as palavras.
    Deixa tudo solto, leve,
    desunido para sempre
    como as areias nas águas.

    O tempo seca a saudade,
    seca as lembranças e as lágrimas.
    Deixa algum retrato, apenas,
    vagando seco e vazio
    como estas conchas das praias.

    O tempo seca o desejo
    e suas velhas batalhas.
    Seca o frágil arabesco,
    vestígio do musgo humano,
    na densa turfa mortuária.

    Esperarei pelo tempo
    com suas conquistas áridas.
    Esperarei que te seque,
    não na terra, Amor-Perfeito,
    num tempo depois das almas.


    «Canção do Amor-PerfeitoCecília Meireles. Antologia Poética, 3a Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 118»
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